quarta-feira, outubro 11, 2006

Ti Maria

Paraliso uma imagem dum espectro estranho que ri, que aparece por entre passos inexistentes ou voadores numa manhã raiada pela chuva. Ergue-se diante de nós uma mulher curva e gasta pelo tempo e pela dor da perda, debruça um sorriso gigante que nos faz sentir pequenos. A imagem de uma solidão assistida atira-nos para uma imensidão do nada!
Maria Augusta Silva Neves, 89 anos, natural de Leça da Palmeira, ex- funcionária da Pide, Mãe de 4 filhos, um deles morto no Ultramar num acidente de viação, uma mulher sozinha, um anjo que desceu para nos contar a verdade, Prima do Ferreiro Pacheco e companhia diária de 25 mortos a descansar e a ouvir nos seus 25 jazigos!
Um sorriso ocupa a sua cara. Encontra em dois irmãos uma companhia temporária típica do surrealismo das 7 horas da manhã. Tudo isto antes de tomar a cevada entre quatro paredes frias que murmuram a sua morte!
Dona duma vontade enorme de falar com quem pode responder, falou e calou o espírito de Dois Irmãos senhores do nada nesta vida! Que sentimento mau, que nojo senti de mim mesmo por ser um príncipe do vazio e um soberano da inércia...
Falei mas ouvi mais... havia uma necessidade grande de responder com um sorriso grande de quem se descobriu naquele momento! Todas as palavras seriam ridículas se ditas por mim...
Ouvi, senti, Cheirei as lágrimas do meu Irmão e disse Adeus á Ti Maria! O Anjo ao relento das gotas da Chuva que nos ensinou a ver o mundo para os outros...
O EU... naquele momento era cinza levada pelo vento... infortúnio de quem o respirar!
Maria Augusta Silva Neves entrou na sua casa fria, tomou a sua cevada, rezou para que a filha a viesse buscar... mas ás 9 horas 25 jazigos de companhia alegravam-se pela sua visita!

1 comentário:

Beno disse...

Sem dúvida um dos teus melhores textos. Puro, escarnado... Verdadeiro!
Porra! Como ela nos conseguiu tocar..